Archive for junho, 2012


A recaída

Quando a gente atinge o fim do poço, só há um caminho a seguir: a saída.

 

Isso é o que todo mundo pensa, né. Isso é o que os gurus da auto-ajuda vão te dizer. Isso é o que aquele amigo querido vai te dizer enquanto seca tuas lágrimas. Isso é o que a sociedade inteira vai gritar pra você, seja pelas capas de revistas femininas, seja pelas reportagens de auto-superação, seja pela ideia generalizada de que todos temos que ser felizes e vencedores.

 

Sinto em informar, sociedade, amigos, terapeutas, mas não é bem assim. Vocês estão todos mentindo.

 

Quando a gente atinge o fim do poço, existem duas possibilidades. Subir é uma delas. A outra é cavar e continuar descendo.

 

As pessoas ainda se chocam, mas a gente sabe que no fundo, no fundo, é isso que acontece. A gente continua cavando.

 

A gente alimenta pequenas esperanças de uma possível volta. E imagina todas as palavras que ele vai dizer, e todas as palavras que a gente vai responder, e imagina onde e quando vai ser esse reencontro, e se inspira em todos os filmes e comédias românticas já vistos na vida para criar a sequência do enredo que fica passando em looping na mente, enquanto a gente vai se ocupando com trabalho, com a louça pra lavar e as contas pra pagar.

 

Não, eu não liguei, nem procurei por ele, nem nada nesse sentido. Até porque não quero ser a “ex-inconveniente”, já que ele está com uma nova namorada. Mas às vezes ainda me pego pensando nele, e imaginando o que eu faria se as coisas não tivessem terminado tão bruscamente, e fazendo escolhas de acordo com o gosto dele.

 

Conversando com uma amiga sobre isso, ela me disse que eu ainda não me desliguei completamente. Acho que ela tem razão. E isso configura estar cavando mais fundo, não é mesmo? Eu acho que sim. E aí a solução é aquele exercício diário de concentração, e foco, e prestar atenção a esses momentos, e substitui-los por outros pensamentos, outras vontades, outros interesses.

 

Lutar contra a gente mesmo, e contra a auto-sabotagem é sempre a luta mais indócil, mais difícil. Eu sei disso. Mas também é a mais recompensadora, quando a gente não desiste. E continuar lutando é metade da vitória.

 

Então, nesta sexta-feira, vou fazer uma coisa positiva por mim mesma, neste fundo infinito de poço em que me encontro e vou parar de cavar. Não sei se já tenho forçar pra escalar todos os quilômetros que desci, mas ao menos vou parar de cavar. Já é um começo.

 

 

O Luto

O que fazer quando a gente está de luto? Qual a melhor forma de agir, numa situação de luto? Como interagir com a sociedade, enquanto estamos de luto? E, mais importante, quanto tempo ele dura? E como a gente sabe quando ele acaba?

 

Com essas perguntas na cabeça fui fazer uma pesquisa sobre como as pessoas agem/reagem quando estão de luto, e o que percebi é que não há muita coisa sobre “regras sociais sobre o luto” para os dias de hoje. Aí me lembrei que, há um tempo atrás li este livro, da Joan Didion, que é uma escritora maravilhosa, e que passou pela horrível situação de perder o marido e a filha num intervalo muito pequeno de tempo. E num dos capítulos ela justamente fala que em todos os livros de etiqueta, até uns anos atrás, sempre havia um capítulo sobre luto e morte, e que éramos ensinados a lidar com a morte, a respeitar a dor alheia e, mais importante, tínhamos consciência do quão vital é se dar o tempo necessário para processar a perda, para chorar, para sentir falta, para sofrer e, para, eventualmente, resolver as coisas e seguir em frente.

 

Hoje em dia não temos mais isso. A regra é que sejamos todos felizes, satisfeitos, radiantes, de cabelos e maquiagem impecáveis o tempo inteiro. A sociedade exige que a gente não perturbe essa noção de euforia e beleza e juventude eterna com a nossa dor, qualquer que seja ela. Como se a dor fosse contagiosa. Como se sofrer fosse feio. Como se chorar pela perda de algum amor fosse errado.

 

Acontece que não é. A gente precisa lidar com a dor, com a perda, com o sofrimento de alguma forma. Qualquer que seja. Mas a gente precisa. 

 

A pessoa que experimenta o luto pode sentir diversas reações, como ansiedade, tristeza profunda, choque, raiva, hostilidade, fadiga. Dizem os especialistas que quanto maior a ligação emocional com o ente perdido, mais profundamente a pessoa vai sentir o luto. Que é o período em que a pessoa vai poder se desfazer dos laços emocionais, ao seu tempo, aos poucos, como uma despedida. Uma chance de desvincular-se e eliminar a expectativa de amor ou presença eternos.

 

Antigamente era comum que as pessoas usassem sinais para indicar o luto, como roupas pretas, faixas nos braços, capas. Havia, inclusive, indicações de tempo mínimo para manter-se de luto, e as pessoas enlutadas não eram obrigadas a conviver em eventos sociais, como bailes e casamentos, e ninguém acharia isso deselegante. 

 

Eu acredito que a gente aprende muito sobre uma sociedade quando aprende sobre como ela lida com a morte. E, nesse ponto, eu acho que a gente perdeu muito de não respeitar mais essas situações de perda e não se resguardar para essas despedidas. 

 

Mas e quando a morte é de um amor, não de uma pessoa, como proceder com o luto? De que forma a gente desfaz os nós que existiam para seguir em frente sem ser julgada pelos conhecidos e desconhecidos, por causa do sofrimento que está passando? Como desligar todas as vozes e alegrias e festas do mundo exterior para desmontar, peça a peça, os sonhos e as ilusões e os planos que se tinham em conjunto com a outra pessoa?

 

Mais importante de tudo, como a gente percebe, lá no fundo da alma, que já não há mais peças pra desmontar? Já não há mais lixo para por pra fora? Qual o momento em que o coração diz, ok, chega, já encaixotamos tudo que havia para encaixotar, já doamos e passamos adiante tudo o que precisava sair, agora é a hora da mudança?

 

Na maioria dos artigos que li sobre o assunto, as pessoas que passavam pelo luto eram chamadas de sobreviventes. Como as pessoas lá de Nova Orleans, ou da Tailândia, depois do furacão Katrina e do Tsunami. As que não sucumbiram, as que foram fortes, as que encontraram alguma forma de manter a cabeça fora da água durante a crise e souberam respirar. Os sobreviventes, que depois de limpar, organizar, e reconstruir fisicamente suas cidades e casas, tem que agora reconstruir suas vidas.

 

Eu me vejo como uma sobrevivente. Fiquei por algum tempo boiando até a água baixar, e já tirei toda a sujeira que havia, e limpei a lama, e organizei tudo, e reconstruí a mim mesma. Se a imagem fosse de morte, digamos que já velei o corpo, já chorei, já baixei o caixão, já cimentei o túmulo e já enfeitei a lápide (porque lembrar é sempre uma forma de não cometer os mesmos erros do passado, certo?).

 

E agora, que vem depois?

 

Não, ainda não tenho a resposta, mas este é um blog para redescobrir a minha vida, dentro desta nova realidade que me foi, de certa forma, imposta.

 

Sendo bem sincera, ainda não sei o que vem agora. Mas, depois de passar pelo tsunami, e de ver morrer uma boa parte do que eu acreditava que era eu, acho que talvez esteja pronta para seguir em frente.

Dia dos Namorados – Update

Fui tomar chá com umas amigas, agora, para curtir o friozinho, e uma delas, que trabalha como gerente num restaurante – e que era o nosso restaurante, meu e do ex – veio me dizer que ele, o ex, apareceu por lá, no dia dos namorados, com a nova namorada. Trocando presentinhos. Fazendo piadinhas sobre saladas e afins. Tendo já piadas internas e tudo.

 

Ela veio me contar porque é minha amiga, e realmente eu precisava saber. Para poder riscar definitivamente da lista de ilusões e esperanças essa que alimentava e da qual falava no post anterior.

 

Para ver que a fila dele já andou há tempos – já chegou no guichê, e pelo visto já trocou até de andar – e eu ainda estou aqui parada, esperando alguma coisa que não sei bem o que é.

 

Mas que não vai chegar. Pelo menos não mais do lugar de onde eu estava.

 

(Esses dias eu li no twitter que é preciso colocar o passado no banco de trás do carro, num lugar onde a gente consiga enxergá-lo pelo retrovisor, mas onde ele fique bem longe da direção, para nunca poder controlar para onde estamos indo. Anotado.)

Dia dos Não-Namorados

Eu sempre gostei de comemorar datas. Sempre curti celebrar tanto as coletivas (como dia dos namorados, por exemplo), como as particulares, aquelas criadas entre a gente, e que serviam como marcos para nos lembrarmos do caminho que percorríamos juntos.

 

Aniversário do primeiro beijo, por exemplo. Eu ainda sei a data, lembro do local (era um bar, depois virou uma garagem, agora não sei mais o que é), lembro até da ocasião que nos levou até lá. Aniversário de namoro. Depois aniversário de casamento, claro. Todas essas coisinhas que os casais criam e cultuam e que de certa maneira servem como auto-afirmação, como uma profissão de fé do amor e dedicação que um tem pelo outro.

 

O problema é quando isso é unilateral. Eu sempre curti produções, e almocinhos especiais, jantar com velas, roupa nova. E mesmo quando não comprava presentes, pensava em coisas que eu mesma fazia, como montagem com fotos, recados, receitas elaboradas, que eram importantes na medida que diziam publicamente como ele era importante para mim, e como a nossa relação era importante. 

 

Posso ter cometido vários erros, mas o de não falar, esse certamente eu não cometi.

 

O problema é que nem minhas ações, nem minhas palavras tinha eco. Quer dizer, no começo ele achava bonito, e curtia todas as produções, e até chegou a comprar presentes e a topar as minhas loucurinhas. Uma vez, por exemplo, eu enchi a casa de velas (com pratinhos e protetores, para ter segurança, claro), e cheguei em casa mais cedo, coloquei uma lingerie super bonita e fiquei mandando fotos pro celular dele. Mas as iniciativas eram sempre minhas. Sempre.

 

E aí acabou. Não era mais divertido, ele não se empolgava mais, e chegava muito cansado pra todas essas coisas. Teve um dia dos Namorados que eu vui encontrar com ele no trabalho, e acabei sendo “assistente” dele, até bem tarde da noite. Não exatamente a minha idéia de comemoração e data especial, mas que, enfim, cedi porque é isso que a gente acaba fazendo num relacionamento, né, a gente cede, e se desdobra toda para agradar às vontades e necessidades da outra pessoa.

 

Então quando começou este dia dos Namorados, eu estava triste. Triste porque sempre me diverti fazendo planos e criando atmosferas especiais. E mesmo que estivesse comemorando mais ou menos sozinha (nos dois últimos anos, principalmente), eu, em parte, fazia porque eu gosto de comemorar as coisas, acho importante.

 

Estava triste porque havia em mim uma esperançazinha burra, estúpida, que ele acabasse se sensibilizando com todos os corações e beijos apaixonados pela cidade, e que se rendesse à saudade e que acabasse enfim me ligando, porque queria comemorar comigo. Tolice. Burrice. Besteira. Chame do que quiser, mas não vou negar que nutri essa ilusão. Não deixei que ela crescesse, porque daí seria gostar muito de sofrer.

 

Então que quando uns amigos me perguntaram se eu não queria sair para comemorar o fato de estar viva, eu aceitei na hora. Sim, eu preciso de comemorações, com pessoas que gostam de mim, e que estão ao meu lado, segurando minha mão, me puxando para cima, e me ajudando a juntar os pedacinhos. Sim, eu preciso comemorar que estou viva. Por mais bobo que isso seja. Então escolhemos um bar que não estava decorado com corações e cupidos e todas essas coisas, e chegamos cedo, pegamos uma mesa no canto, e ficamos ali, conversando e celebrando o fato de estarmos vivos, de estarmos ali juntos, de termos essa maravilhosa oportunidade de compartilharmos aprendizados, sonhos, experiências. A vida.

 

Foi o melhor Dia dos Namorados dos últimos tempos. Não precisei de nenhuma super produção (ok, fui arrumadinha: uma roupa bonita e uma maquiagem fazem maravilhas, não é mesmo?), não precisei me preocupar em agradar o tempo todo, em estar fazendo o ex feliz, não houve troca de presentes nem nada. E por isso mesmo foi ótimo: foi tranquilo, foi simples, foi verdadeiro.

 

E era tudo que eu precisava para me lembrar de mim mesma. De como eu sou importante sim, e todas essas coisas bobinhas que eu valorizo, não são nem um pouco bobinhas.

 

Tem uma frase de que me lembrei, e cuja autoria não tenho certeza então não vou arriscar, mas que fala que a nossa vida pode ser pesada, mas que se a gente tiver amigos, eles nos ajudam a carregar, e tudo fica mais leve. Inclusive passar o dia dos namorados sozinha, depois de levar um pé na bunda, como eu levei.

 

PS: às amigas Paula e Taís, do 6mesespramudar, vocês são amigas ótimas, que mesmo estando ocupadas com seus respectivos namorados, me deram todo o carinho do mundo! Obrigada de todo o coração!

A saudade

Ontem no feriado, eu quase morri por dentro. De cólica e de saudade. Queria escrever, queria gritar, queria ligar e falar e ouvir a voz dele, mas respirei fundo, e fiz um chá, e abracei a minha dor física (sabe quando tudo por dentro parece dar um nó? Então).

 

E aí eu medi a saudade. Medi do que exatamente tenho saudade. Medi e listei do que sinto falta.

 

Sinto falta da intimidade. Sinto falta de acordar e ficar de pijama e beijar sem escovar os dentes, sabe, nesse nível de intimidade. Sinto falta de passar a manhã inteira explorando o corpo dele, e deixando o meu para reconhecimento e reconquista, sem me preocupar com os quilos a mais, ou celulite ou outras coisas bobas. Sinto falta dessa confiança que havia, pelo menos eu achava que havia. Sinto falta da barba leve da manhã roçando no meu ombro para me acordar. Sinto falta da presença, de saber da presença dele, mesmo que no outro quarto. O perfume nas roupas antes de colocar na máquina de lavar. Sinto falta das conversas bobas e sem importância, que preenchiam o dia entre as coisas importantes. Sinto falta das piadas sem graça que não faziam o menor sentido, e das risadas compartilhadas. Sinto falta de segurar a mão pra atravessar a rua e para caminhar. Sinto falta das nossas piadas internas no escuro do cinema. Sinto falta de sempre haver música, mesmo quando era mais alta do que eu tolerava.

 

Aí eu parei, pra não me sentir ainda pior. E decidi pensar nas coisas que eu não sinto falta, ou melhor, das coisas que fico contente por não ter mais que lidar, pra compensar.

 

Me livrei das grosseiras e das alterações de humor. Me livrei do mau humor e do pessimismo. Me livrei dos pés sempre gelados que eu tinha que enfrentar debaixo das cobertas. Me livrei da falta de horários para dormir e para acordar, e me livrei da desculpa de ser insone quando na verdade era vontade de estar fazendo qualquer outra coisa no computador em vez de deitar-se comigo. Não sinto falta nenhuma da preocupação constante que tinha com a imprudência e a irresponsabilidade de sair para beber dirigindo. Não sinto falta de estar sempre alerta nesses dias que ele saía para beber dirigindo, porque eu não conseguia parar um minuto sequer de pensar em todas as possibilidades trágicas disso. Não sinto falta da insensibilidade com minhas emoções, e vontades. E não sinto falta nenhuma de, quando queria chorar, não podia fazer na frente dele, porque chorar era considerado “ofensivo”, principalmente se acontecia depois de ele me dizer alguma coisa que não era pra me magoar mas era “a mais pura verdade”, que acaba normalmente sendo uma coisa ruim, uma crítica ou uma acusação absurda. Não sinto falta nenhuma de sair com os amigos e ficar sempre tensa sobre qual seria a próxima palavra brutal que ouviria dele, seja pra criticar uma roupa ou um comentário ou uma idéia minha.

 

Ok, ok. Consegui respirar fundo e me lembrar de todas as coisas ruins e que me incomodavam e que apagaram toda a saudade. Aí fiz um bom chá, me enrolei nas cobertas, tomei um remédio pra cólica e passei o fim do dia vendo filmes e seriados. Pelo menos consegui acordar melhorzinha hoje. Sobrevivida, digamos assim. 

 

Só mais um dia. Um dia de cada vez!

A leveza

Tá me faltando leveza na vida, eu sei. Tá me faltando ver as coisas com menos lágrimas nos olhos, tá me faltando uma perspectiva mais iluminada, mais calorosa, menos dolorida da vida.

 

Percebi isso no sábado, quando me propus a sair de casa e encontrar com alguns amigos. Era uma comunhão de comemorações: um dos meus amigos ganhou uma bolsa de estudos para o exterior, a outra foi pedida em casamento, o bebê da outra amiga acabou de completar um mês, e assim me arrumei para sair de casa e cumprir o itinerário que tinha já organizado na minha cabeça: visitar o bebê, depois ir conhecer uma sorveteria nova, depois encontrar mais gente para jantar e depois a gente ia ver o que ia fazer.

 

Visitar a minha amiga com o bebê foi uma delícia. Eu não sei bem como ela consegue, mas a admiro profundamente: me recebeu com a casa arrumada, os cabelos lavados, uma alegria no rosto, e cupcakes recém saídos do forno. O bebê, querido, dormia. Ela me perguntou como eu estava, como estavam as coisas entre o ex e eu, e eu não tive muito que dizer, porque, bem, porque as coisas não existem mais entre o ex e eu. Aí eu perguntei como ela estava, se estava precisando de alguma ajuda, se já tinha se ajustado à rotina do bebê, e ela, muito tranquilamente, me respondeu que claro que as coisas ficaram meio bagunçadas no início, mas que o importante era manter a rotina normal de trabalho (ela tem um home office) e fazer o bebê entender isso. E, claro, encarar as coisas de uma forma sem dramas, porque, né, pessoas vêm tendo filhos há tanto tempo, não pode ser uma tarefa tão difícil.

 

Tudo assim, com leveza. Com uma graça e uma elegância que eu desejei ter também.

 

Atravessando a cidade para ir encontrar o amigo na sorveteria fui pensando nisso: quais são as escolhas que eu estou fazendo agora? Estou me adaptando à realidade ou adaptando a realidade aos meus desejos e aos meus anseios? E o que seria mais importante?

 

Depois do sorvete, convenci o amigo a me acompanhar nessa caminhada pela cidade, e fomos até o “reduto dos barzinhos” para decidir onde seria o jantar. Aí vieram o casal de amigos que vão casar e o amigo que vai viajar. Optamos por um restaurante árabe, que minha amiga já conhecia, e que veio a ser uma deliciosa descoberta. O que aconteceu, na hora de sentarmos foi que, por estarmos em número ímpar, eu acabei sentando de frente para um lugar vazio. No meio de toda a vida acontecendo, as pessoas sendo felizes e casando e sendo felizes e sendo agraciadas com bolsas de estudo e sendo felizes e descobrindo sorveterias novas na cidade, eu bem no meio, de frente para um lugar vazio. Uma cadeira vazia, que virou uma janela para a mesa logo em frente, com pessoas também felizes, expressando isso com olhares apaixonados e mãos encontrando as outras mãos entre os pratos e talheres sobre a mesa.

 

Aí eu parei pra pensar. O que pesa mais: ter na minha frente um lugar vazio ou ter uma pessoa que não me olhava mais de forma apaixonada, e cujas mãos não mais procuravam as minhas para segurar? E, percebendo isso, o que eu quero para mim, agora? Carregar pesos mortos ou caminhar leve, escolhendo meus próprios caminhos? Por quanto mais tempo eu me obrigaria a ter essas bolas de ferro presas aos pés?

 

Por quanto mais tempo eu quero ter essas bolas de ferro presas aos pés?

 

Acho que esse tempo já acabou. É claro que a saudade ainda dói, e a tristeza ainda dá as caras lá em casa, mas já não é mais tão imponente e forte como nos primeiros dias. Acho que meus tempos de prisioneira do meu passado estão chegando ao fim. Pelo menos é isso que eu quero.

 

Depois de decidir isso, me permiti estar contente, compartilhar da felicidade dos meus amigos, e foi tudo muito divertido. Me senti jovem, e empolgada, e não me permiti pensar no ex pelo restante da noite, enquanto íamos para um bar terminar a comemoração. Quer dizer, foi um exercício: cada vez que vinha o pensamento ou a lembrança dele, eu decidia olhar em volta, e valorizar as pessoas que estavam ali, que estavam me abraçando e rindo comigo e me ouvindo e me contanto histórias e me mostrando que existe beleza ainda na vida.

 

Existe vida depois da morte, digamos assim. 

 

O exercício funcionou, chegou uma hora que era automático mudar o foco do pensamento do passado para o presente. E isso fez toda a diferença: a noite ficou mais leve, eu fiquei mais leve, e cheguei em casa às quatro da manhã, com dores pelo corpo de caminhar feito uma jovem pela cidade à noite, já prevendo a dor de cabeça do dia seguinte (que nem foi tanta assim), e, na medida que alguém pode ser feliz no momento em que estou vivendo agora, feliz.

 

(Um agradecimento imenso e eterno a esses meus amigos, por me ajudarem a ver a vida com outro foco! Prometo continuar com o exercício de ver o presente e de comemorar as pessoas que estão presentes.)

A raiva

De acordo com o este artigo da wikipedia, que apresenta o chamado Modelo Kübler-Ross, uma pessoa que tenha experimentado uma grande perda em sua vida passa por cinco etapas até elaborar por completo o seu luto e estar pronto para seguir em frente. O modelo foi apresentado em 1969, pela psicóloga americana Elisabeth Kübler-Ross (daí o nome), no seu livro chamado On Death and Dying, e vem sendo usado desde então para auxiliar pessoas que tiveram que enfrentar mortes de todos os tipos, inclusive um divórcio. 

 

E por que não seria um divórcio considerado também uma morte? O casamento é como um ser que morre, e coisas precisam ser divididas e organizadas, para se seguir em frente sem ele. Um ente desaparece: o ente que existia entre a pessoa e o esposo (ou esposa) já não está mais lá.

 

Eu particularmente começo a achar que seria muito mais fácil, neste momento, lidar com tudo o que está me acontecendo se o meu ex estivesse morto de verdade do que ficar me preocupando se vou encontra-lo no supermercado (e se sim, ele vai estar acompanhado? Ele vai estar sozinho?) ou como devo agir quando o vir nos eventos dos amigos em comum (cumprimento com um abano de longe? Beijinhos no rosto? Sento perto para conversar? Ignoro completamente?). São tantas as variáveis que já cansei de ficar imaginando o que faria ou deixaria de fazer nessas – e outras – situações.

 

Pois bem, o modelo fala de cinco estágios, e que a pessoa necessariamente passa por pelo menos dois deles, mas não necessariamente na ordem apresentada, e nem é obrigatório que passe por todos eles.

 

O estágio um é a negação/isolamento. É o primeiro mecanismo de defesa, e é quando a pessoa não aceita a realidade. Como se, deixando de acreditar, o fato não tivesse acontecido.

 

O estágio dois é a raiva. É quando se começa a questionar o fato, e a enfrenta-lo com todas as energias do mundo, como se isso pudesse muda-lo. É a fase das reações violentas, e da falta de paciência.

 

O estágio três é a negociação. Quando começamos a criar mecanismos na esperança de que a realidade mude (se eu fizer tais e tais coisas, ou disser as palavras certas, então ele vai perceber que ainda me ama e que fez uma grande bobagem e vai voltar pra mim, por exemplo).

 

O estágio quatro é a depressão. É quando as coisas não têm mais graça nenhuma, e a pessoa deixa de lado as atividades e o contato social porque não vê mais motivo nenhum que a leve a seguir em frente. A pessoa é “nocauteada” pelo fato, e não encontra forças para se levantar.

 

O estágio cinco é a aceitação. É quando nos vemos inseridos nessa nova realidade, e não tentamos lutar contra ela nem nos martirizar por causa dela, mas encontramos caminhos para seguir em frente apesar e por meio dela. É o acordar num dia de sol depois de semanas de chuva e tempo frio. É o varrer a sujeira para fora, trocar as flores da sala e fazer um bolo bem gostoso para esperar a visita.

 

Não, eu não cheguei no estágio cinco ainda. Acho lindo que exista a possibilidade de talvez um dia encontrar uma coisa positiva no meu divórcio, mas tenho que confessar que no momento me sinto mais indignada e furiosa do que qualquer outra coisa.

 

Por exemplo, eu tenho raiva de mim mesma, antes de tudo, de ter deixado as coisas chegarem no ponto em que chegaram, e de não ter confrontado o ex marido sobre o fato de que não conversávamos mais, não nos olhávamos mais, sequer nos tocávamos.Tenho raiva de estar triste por causa dele, e por lembrar dele o tempo inteiro. Tenho raiva de mim mesma, principalmente por sentir a falta dele, e querer, a todo momento, pegar o telefone e ligar para conversar com ele, para ouvir a voz dele, e saber a opinião dele sobre as decisões que tenho que tomar. (também por isso eu tenho raiva, porque não preciso mais saber a opinião dele a respeito das coisas).

 

Tenho raiva dele, muita raiva, e vontade de encontrar com ele só pra poder socar a cara dele. Tenho raiva da decisão que ele tomou, e de ter sido um covarde de terminar comigo, porque ele poderia ter conversado, me explicado as suas razões, e a gente poderia tentar salvar o casamento. Tenho raiva porque ele deixou de me amar, e eu não percebi. Tenho raiva porque ele sentiu que as coisas não estavam indo bem, mas ainda assim preferiu fechar os olhos, e deixar tudo morrer. Tenho raiva de todas as vezes em que ele se jogou no trabalho quando eu dizia que queria conversar, e que estava com saudades, e que organizava um jantar só para nós. 

 

Tenho raiva por todos os planos que tive que matar por causa dele. Tenho raiva de ter esperado para engravidar “quando fosse o momento certo”, nas palavras dele, e de não ter feito o que eu tinha vontade. Tenho muita, muita raiva porque abri mão de tanta coisa por causa dele, e mais raiva ainda porque me fechei para o mundo nesses oito anos, e acabei criando uma muralha tão alta que mesmo de dentro dela vai ser difícil de derrubar.

 

Tenho muita raiva dos amigos que chegam para mim para dizer que vai ser melhor assim, e que eu vou superar essa: como é que eles sabem que eu vou superar essa? E como é que ficar sofrendo e morrendo por dentro é melhor? 

 

Tenho raiva desse clima todo de amor e todas essas pessoas se beijando e se abrançando e sendo felizes pela rua enquanto eu estou sofrendo e morrendo por dentro. Será que não dá pro mundo ser um pouco mais sensível, não? E, claro, tenho muita, mas muita raiva de que daqui a pouco é dia dos namorados, só pra me lembrar, de mais uma forma maligna, de que eu estou sozinha, separada, abandonada.

 

Sério, muita raiva.